#06 — Pare de transformar todas as experiências em alta performance (a excelência é trivial)

Como pequenas atitudes diárias no longo prazo são importantes para uma vida plena

"A excelência é mundana. O desempenho excepcional é, na verdade, o resultado de fazer muitas, muitas pequenas coisas da maneira correta’’. — Daniel Chambliss

Você abre o Instagram pela manhã, e aquela sua amiga que faz endurance já correu 15km pela manhã, abastecida à base de supercoffee e géis de carboidrato. Ela também já leu trinta páginas de um livro sobre finanças pessoais e está a caminho do trabalho em seu carro particular — e ainda nem são 9h.

É claro, não sabemos exatamente como é a rotina dessa amiga, mas ficamos com a impressão de que, não só ela, mas diversas pessoas ao nosso redor, estão sempre performando excelência — enquanto você mal saiu da cama na hora certa.

Aos finais de semana e feriados, fotos extraordinárias de viagens, prints de tela de corridas com pace queniano — mas com a legenda ‘‘treino leve’’. Tudo tem que ser transformador, life changing, performático, do contrário, não valeu a pena.

O Show de Truman

Quando a alta performance se tornou popular?

Esse termo sempre existiu em contextos como esportes, negócios e psicologia, mas o uso que vemos hoje, associado a um estilo de vida quase sobre-humano, ganhou força na internet por volta de 2015 a 2018. Esse boom aconteceu devido à popularização do desenvolvimento pessoal nas redes sociais, impulsionado por influenciadores que promovem um modelo de produtividade extrema, com rotinas impecáveis, surreais e de um foco absoluto. Vamos falar sobre isso mais à frente.

Você já sonhou com uma melhor versão de si mesmo?

Have you ever dreamt of a better version of yourself?

Se você anda pelo metrô de São Paulo, poderá notar que as pessoas estão buscando desesperadamente uma melhor versão de si mesmas. É comum encontrar quem está lendo ‘‘O Poder do Hábito’’ (Charles Duhigg, 2012) e ‘‘Trabalhe 4 horas por Semana’’ (Tim Ferris, 2007). Esses livros ajudaram a disseminar a ideia de que apenas mudanças diárias poderiam levar a um desempenho excepcional. Em 2017, ‘‘Alta Performance: Hábitos Atômicos para uma Vida Extraordinária’’, de Brendon Burchard, reforçou o termo, trazendo um método estruturado para alcançar grandes feitos.

Se você rolar o feed do Instagram, encontrará um amigo que se rendeu ao conteúdo de algum coach ou a cultura da produtividade. Existem muitos profissionais promovendo técnicas de ‘‘máximo rendimento’’ — e lucrando alto com isso.

Pegou o código?

Não sou contrária a profissão de coach, acredito que muitas pessoas — diria até que a maioria delas, necessitam de um guia para atingir seus objetivos: Deus, um pastor, psicólogo, pai de santo — e até mesmo um cara de terno em cima do palco promovendo dinâmicas e palavras de afirmação. Quando bem feito, esse trabalho pode impulsionar a vida de uma pessoa e transformá-la positivamente.

Tony Robbins, por exemplo, um americano especialista em desenvolvimento pessoal, já teve como seus alunos Oprah Winfrey, Serena Williams, Leonardo DiCaprio e Bill Clinton. Se até as pessoas mais famosas e bem sucedidas do mundo precisam de direcionamento para atingir suas metas, por que não nós, meros mortais?

Tony Robbins

Além dos autores best-sellers e cultura do coach, as redes sociais tiveram — e ainda tem, grande responsabilidade na performance extrema. Entre 2015 e 2018, YouTube, Instagram e LinkedIn viram o crescimento de influenciadores de "alta performance", vendendo cursos, mentorias e desafios de produtividade.

Vídeos com títulos como "A rotina milionária às 5 da manhã" ou "Como ser altamente produtivo e nunca mais procrastinar" viraram tendência. Em plataformas como o Instagram, o conceito de "alta performance" foi romantizado com rotinas épicas: meditação às 4h, exercícios intensos, alimentação impecável, trabalho sem distrações e leitura diária.

A rotina da alta performance ignora a realidade a as nuances da vida cotidiana.

Essa é a minha realidade: metrô lotado, pessoas empilhadas tentando voltar pra casa.

Acordar de madrugada para meditar pode ser impossível se você mora distante do serviço ou tem filhos pequenos. Trabalhar enquanto eles dormem é uma frase cretina que gera culpa por simplesmente responder a necessidade humana de dormir. Tempo de descanso e lazer? Loucura, desperdício do seu potencial máximo.

A cultura do sacrifício sobre-humano gera a sensação de fracasso ao indivíduo caso não consiga performar em seu máximo, como se fosse apenas culpa dele tudo o que não aconteceu em sua vida, sem levar em conta fatores ambientais como local onde vive, condição financeira, deveres familiares, formação profissional e rede de apoio.

O poder dos pequenos hábitos diários, segundo a ciência

Daniel Chambliss

Em The Mundanity of Excellence (1989), pesquisa feita pelo sociólogo americano Daniel Chambliss, o autor explora o desempenho excepcional dos nadadores de elite. No texto, Daniel argumenta que a excelência não resulta de talento inato ou de uma única ação grandiosa, mas de pequenas diferenças na qualidade da prática e dos hábitos diários ao longo do tempo.

Segundo o autor, existem pequenas atitudes dos atletas que os levam ao sucesso:

• Excelência não é resultado de esforço extremo, mas de escolhas qualitativas

Chambliss desafia a ideia de que os melhores atletas apenas "se esforçam mais" do que os outros. Em vez disso, eles treinam de maneira diferente, com um foco qualitativo superior, refinando técnicas e hábitos de maneira meticulosa.

• A excelência surge da trivialidade das práticas cotidianas

O autor enfatiza que os nadadores de elite não fazem algo radicalmente diferente, mas adotam pequenas melhorias constantes em cada aspecto do treinamento: postura, respiração, alimentação, mentalidade e etc.

Esses detalhes, quando acumulados ao longo dos anos, geram grandes diferenças no desempenho.

• Superar barreiras exige adaptação progressiva, não saltos gigantescos

Em vez de uma "transformação mágica", os atletas passam por uma progressão estruturada. O que parece difícil ou impossível em um nível de competição torna-se trivial quando a pessoa avança para o próximo patamar com a mentalidade e a técnica adequadas.

• A motivação é construída no ambiente, não depende apenas da força de vontade

O meio em que o atleta está inserido (treinadores, colegas de equipe, cultura de disciplina) é crucial para internalizar padrões de excelência.

Eslen Delanogare, doutor em neurociência e fundador do Reservatório de Dopamina, uma comunidade que acredita no poder dos pequenos atos diários para uma vida de excelência. Nas horas vagas, Eslen se dedica a corrida.

Como isso se aplica à trivialidade da excelência?

A principal contribuição do artigo para essa compreensão é mostrar que o que chamamos de "excelência" não é um salto repentino ou um talento místico, mas um processo de pequenas tarefas consistentes. A excelência parece "trivial" porque, quando observamos de perto, ela se constrói sobre ações corriqueiras e hábitos aparentemente simples, mas que são praticados de forma disciplinada e estratégica ao longo do tempo.

A diferença entre uma pessoa mediana e uma excelente não está em um "superpoder", mas na forma como essa pessoa lida com os detalhes de sua vida diária.

Você pode — e deve, encarar a vida com mais leveza

‘‘Nós somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito’’. — Aristóteles

Caro leitor, se você está aqui comigo agora, é provável que você tenha uma vida agitada tanto quanto a minha. Acordar cedo, ir para o trabalho, pegar transporte público, passar nove horas dentro do escritório, voltar pra casa, cumprir com as obrigações do lar. Eu sei, não sobra tempo pra mais nada.

Existem pequenos ajustes que fiz na minha rotina para atingir meus objetivos. O primeiro deles, é direcionar uma hora de estudos ou leitura todos os dias — ou no mínimo quarenta e cinco minutos. Eu prefiro pela manhã, mas tudo bem se você se comporta melhor à noite. Faça de acordo com o que cabe na sua rotina hoje.

Exercício físico de quatro a cinco dias por semana — mas você pode começar com dois ou três. No meu caso, escolhi corrida e Krav Maga. Acho importante você considerar uma atividade que inclua cardio pois esse tipo de exercício é responsável por reduzir chances de doenças cardiovasculares ao longo da vida. Também diminui níveis de estresse e ansiedade, e é claro, te dá mais resistência física pra subir aqueles lances de escada do seu prédio — ou caso tenha que fugir de um ladrão em São Paulo. Faça cardio — é sério.

Corrigir meu sono e minha alimentação também são pilares do meu desempenho: nada de café depois das 14h99, apenas comidas naturais e quietinha na cama às 22h30.

‘‘Perfeição de caráter é isso: viver cada dia como se fosse o último, sem frenesi, sem apatia, sem pretensão’’. — Marco Aurélio

Apenas com estes ajustes, senti que minha vida mudou drasticamente. Correr 10 quilômetros não parece um desafio impossível, caminhar algumas quadras com sacolas pesadas se tornou fácil. Minha mente está tranquila. Consigo manejar as dificuldades do dia a dia com mais clareza e racionalidade. Meu trabalho flui melhor, minhas relações estão melhores.

A teoria do Princípio de Pareto, também conhecida como regra dos 80/20, afirma que 80% dos resultados são provenientes de 20% das causas.

Ou seja, 20% dos esforços que você faz hoje (dormir bem, estudar, treinar, beber água, manejar seu estresse) são responsáveis por 80% dos seu sucesso. Atitudes básicas para um ser humano comum — mas que tornam você, uma pessoa acima da média.

Minhas manhãs em frente ao computador, estudando e lendo

A excelência não é um dom sobrenatural em que apenas 1% da população possui. É uma somatória de pequenas atitudes, executadas diariamente, e que lá na frente, vão refletir no seu resultado. A parte mais difícil é ser fiel a si mesmo — e seguir, obstinadamente, dia a após dia, ano após ano, na direção do seu sonho.

‘‘O trabalho duro se acumula como juros compostos, e quanto mais cedo você começar, mais tempo terá para colher os benefícios’’.

— James Clear

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